sábado, 23 de outubro de 2010

Deixo o espaço livre pra qualquer coisa entrar e sair - mas o espaço é pequeno, entendam. Muitos não conseguem vê-lo -. Meu amor por você rompe barreiras. Mas eu ainda estou aqui. Com as minhas. Você vê? Não tem limite. A chegada é a mesma, o meio é longo, e o fim, esse não chega nunca, meu bem.

Meus olhos estavam embaçados desde ontem, deitei na cama ao lado da janela e fiquei espiando a paisagem suja. Entretanto, meu quieto estado foi perturbado por um som de cigarra repugnante. Latejava em meus ouvidos e minha cabeça girava e meus olhos ardiam com a falsa luz. A quarta montanha queimava por trás das cortinas. Era tudo - ou quase tudo -. Só sei que era escuro e gelado.

Depois de alguns minutos, uma vetra de luz bem pequena surgiu entre a cortina e a janela. Era uma luz vermelha-amarela. Não se podia comparar á alguma luz clara ou branca, que seja. Era uma luz ardente. Tinha seu valor, poderia ser um início de caminho. Mesmo que fosse ardente. Era luz. Começo... Ou fim.

Começava a ventar, a brisa atravessava as cortinas e veio ao meu encontro. Apaguei as lâmpadas. Agora tudo estava escuro, fechado e silencioso, até que aquele estorvo, que chamamos de "luz" voltou. Pensei em porque você não me deixa em paz, e ela dizia que hoje, logo hoje, primeiro dia de primavera, ela precisava estar ali. Pra surgirem coisas novas, talvez. O desabroche de algumas coisas, podia ser. E dizia que tanto fazia se o que vinha de mim era verdadeiro, e que o mundo me enlouquecia de uma forma bruta, tanto fazia! E a morte, podemos assim chamá-la, não iria me aliviar; descanso, não iria me ouvir. Eu gritava alto mas ela tampava os ouvidos. Eu arregaçava as mangas e estava pronta para atacá-la, mas ela fugia, dizendo que eu ainda tenho muito o que fazer. E que NADA iria aliviar esta parte. Disse então, pra eu finalmente arregaçar as mangas pro que foi, e que eu não deixei ainda partir, e que isso doía, ardia por culpa minha. Me ordenou que olhasse pros lados, e percebesse presentes de primavera. Orquídeas, girassóis. Nessa manhã de primavera, surgiram duas flores na Orquídea de minha mãe, capaz de salvar ambições.Por que eu tinha de viver? O que é que você tanto guarda pra mim?

Se eu pudesse, jogava fora os piões nojentos, as avós ambiciosas, jogava fora políticos podres, gente falsa e burra. Antes valia a prostituição. Deixava os anjos e as drogas para infelizes. Mas gente não se joga fora. Não é como lixo - mesmo que alguns me façam desmentir esta fala - mas não se joga. De gente, se abraça e cuida.

Me disseram uma vez, que gente excessiva demais não tem remédio. Falam demais, beijam demais, se jogam demais, aparecem e querem demais; mentem por demasiado. Em outra vez, vi num metade sonho metade sonho real, uma garota de sete pés e sete dedos. Ia crescendo a medida que ela fazia algo "demais". Se multiplicava. Um monstro. A menina, apavorada, gritava e chorava. Pedia pelo pequeno, e queria isolar o demais. De tanto querer isolá-lo, cada vez mais o chamava. Tadinha. Não paravam de crescer dedos, unhas grandes, estrias nos pés.

No outro dia, a quarta montanha queimava de novo, sem nada fazer.

A luz apagava, voltava, apagava e voltava, apagava e voltava e assim por diante. Aquela reprise sem nenhum ideal, aquele inferno, só piorava minha constante insônia, e eu já estava me cansado deste fogo. Percebi que eu já estava acostumada com o acender e apagar das coisas. Me incomodava, obviamente, mas não fazia nada. Poderia dizer que era uma caixa fechada, isolada no meio de todo mundo que por ali passava, uma caixa no meio da estrada, mas a caixa, aquela caixinha ali, pequena, coitada, só se abria pra quem ela mesma quisesse.

Talvez meu pessimismo atinja camadas boas na minha vida. E em diante passaram a ficar ruins. Mas veja só, meu querido, existem camadas em mim que NUNCA mudam. Apesar de minha infelicidade continua comigo mesma, me pego de vez em quando sorrindo como nunca, leve, indiferente á qualquer dor que a senhora solidão possa me afligir. Observe como camadas em mim nunca mudam, tenho provas, sérias provas! Tenho a R., que devolve minha infância. O C., que considero meu cordão umbilical, pois me liga á ele e me conecta com o outro lado, me vive. Me faz amar. O único que tenho mais certeza que nunca quero perder. Me conforta, se é que me entendem. A F. Ah, a F, já me causou muitas dores, machucados que nunca parecem se transformar em leves cicatrizes. A S., tem um espaço em mim, que nada nem ninguém jamais tira. Mesmo se um dia, ela vir á querer.

Entendi finalmente que aquela luz, que se mudava em uma sequência só, se repetia porque EU queria. Porque acostumei. No fim da noite, fiquei pemsando e imaginando e criando uma luz clara, porém nem branca nem amarela, muito menos ardente. Não importava a cor, era o bastante pra acender algo já apagado em mim.

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