sábado, 23 de outubro de 2010

O galo não cantou, e nem ela, nunca mais

Então se lembra repentinamente do rosto de cada um, do lugar; falhava-lhe a memória, mas lidava e entendia muito bem a troca de cenas. Uma pessoa no parque, duas num bar do centro de Copacabana. Ou seria Niterói? Não se lembrava tanto, pois, se confundia; só sabia que eram duas pessoas recém conhecidas.

Conhecidos ali mesmo, deviam ser onze da noite, Pablo com trinta e ela com quarenta e um. Ambos afogavam estorvos no copo de pinga que ali se apresentava. Pablo era da cidade. Ela, do interior. Super-rural. Sentia-se e cumprimentava os outros e observava a todos com um jeito tão superior que quem visse jamais suspeitava de onde viviam seus aposentos. Era mãe de quatro filhos e casada, marido fazendeiro, já doente, de cama; mal sabia ela que, naquela noite, começaria uma vida nova, um lucrativo e importante resultado, um filho.

O assunto acabara e o tempo também. Olhava ela ao relógio do pulso, calculando em que horas o galo cantaria. Saíram do bar abraçados, escorados um ao outro, cantando repetidamente "Sangue Latino" e imitavam o gingado totalmente inconfundível de Ney Matogrosso. Se apreciavam, tanta complacência pra uma noite só, se olhavam felizes por serem completos infelizes. Àquele ponto não mediam passos. Só se ouvia o salto de seu sapato e o coça-coça ensurdecedor e irritante da barba anos mil oitocentos e dez de Pablo.

Sentaram-se na areia úmida da praia, encostando em si pêlos, ossos, rosto, olho: beijos e abraços. Mãos. Pés. Unidos. Olhares, sorrisos e prazer. No meio de tudo, ela, tão ríspida e convencidamente vulnerável a qualquer toque se deixa levar por um simples caboclo que mal conhecia e só pensava em adultério, em erros, em culpa, em seus filhos - quatro, como podiam? - e no galo. Mas não, aquele jovem não queria nada além de uma aventura de noite e sem valor algum, imprestável ao ponto de não servir nem pra contar vantagem e trazê-lo satisfação.
- Estou passada. Chega de passar. Disse ela lúdica, porém lúcida a ponto de saber o que estava fazendo e lúdica dizendo abobrinhas que lhe compreendessem porque meu-marido-está-doente-e-morrendo-e-eu-não-quero-morrer-junto-dele-mas-não-se-há-nada-a-fazer-e-bla-bla-bla.
Então se lembra repentinamente do rosto de cada um, do lugar; falhava-lhe a memória, mas lidava e entendia muito bem a troca de cenas. Uma pessoa no parque, duas num bar do centro de Copacabana. Ou seria Niterói? Não se lembrava tanto, pois, se confundia; só sabia que eram duas pessoas recém conhecidas.

Conhecidos ali mesmo, deviam ser onze da noite, Pablo com trinta e ela com quarenta e um. Ambos afogavam estorvos no copo de pinga que ali se apresentava. Pablo era da cidade. Ela, do interior. Super-rural. Sentia-se e cumprimentava os outros e observava a todos com um jeito tão superior que quem visse jamais suspeitava de onde viviam seus aposentos. Era mãe de quatro filhos e casada, marido fazendeiro, já doente, de cama; mal sabia ela que, naquela noite, começaria uma vida nova, um lucrativo e importante resultado, um filho.

O assunto acabara e o tempo também. Olhava ela ao relógio do pulso, calculando em que horas o galo cantaria. Saíram do bar abraçados, escorados um ao outro, cantando repetidamente "Sangue Latino" e imitavam o gingado totalmente inconfundível de Ney Matogrosso. Se apreciavam, tanta complacência pra uma noite só, se olhavam felizes por serem completos infelizes. Àquele ponto não mediam passos. Só se ouvia o salto de seu sapato e o coça-coça ensurdecedor e irritante da barba anos mil oitocentos e dez de Pablo.

Sentaram-se na areia úmida da praia, encostando em si pêlos, ossos, rosto, olho: beijos e abraços. Mãos. Pés. Unidos. Olhares, sorrisos e prazer. No meio de tudo, ela, tão ríspida e convencidamente vulnerável a qualquer toque se deixa levar por um simples caboclo que mal conhecia e só pensava em adultério, em erros, em culpa, em seus filhos - quatro, como podiam? - e no galo. Mas não, aquele jovem não queria nada além de uma aventura de noite e sem valor algum, imprestável ao ponto de não servir nem pra contar vantagem e trazê-lo satisfação.
- Estou passada. Chega de passar. Disse ela lúdica, porém lúcida a ponto de saber o que estava fazendo e lúdica dizendo abobrinhas que lhe compreendessem porque meu-marido-está-doente-e-morrendo-e-eu-não-quero-morrer-junto-dele-mas-não-se-há-nada-a-fazer-e-bla-bla-bla.

O galo não cantou, minha senhora. Como conseguiu entrar em casa sem que seu marido lhe visse? Mas, viram você segurando o galo no colo e o apertando a boca. Sem arranhões? Marcas? Não pense isso. Ouvi também o copo de barro que eu tanto gosto e que estava na beirada da mesa, vi os arranhões no copo, e vi também suas marcas dos pés no chão. Porém, o que me incomodava não era tua presença, e sim a sujeira que você deixava por onde passava; sombras, manchas pretas, escuras, opacas. Sentia o hálito da culpa por longe. Mas leve este copo, senhora, eu o contemplava com estes meus olhos cinza esverdeados e esta minha penumbra marrom e branca a lembra de algo? Que bom que não. Renegue até o fim. Remédio ou nem macumba ou o "olhar de Oxum" sobre você irá mudar quaisquer que sejam seus fins.

Você o esnobou de lonjura ambígua demais. Precisava ter chegado mais perto. - Esfrega-me nesta cara a traição que me fizestes. Você nada mais é do que mais uma insaciável neste mundo. A coruja agora indagava: Mas, acredita, viu? Qualquer dia qualquer coisa muda. Leva-me com você. Só fico acordada de noite e o maior barulho que faço são meus urros. Sem coçadas. Começaremos de novo. Acredita. Eu, você, sua filha - que anda mexendo como nunca, desassossegada como a mãe.
Seu marido queria sair da cozinha, mas ela não o deixava; pedia perdão e revelava seus anseios, vergonhosos, pesados. Mas comuns.
- Não... Eu acho que eu sei. Sei que nem tudo tá no devido lugar. Mas eu procuro, procuro aqui, ali, no meio, no final, no início; mas não acho. Nunca acho nada. Eu procuro meu próprio erro, o início onde tudo começou e não acho. Sinto-me num labirinto onde me procuro sozinha. Não posso dizer pro próximo o que eu sinto. Não quero mistério. Mas necessito dele pois, não consigo nunca dizer o que sinto. Nunca me divirto sem pensar no depois. Depois disso aqui, depois que a tristeza chegar, depois vai vir a insônia, depois eu vou ficar chata, depois eu não vou querer ver você, depois eu não quero ir pra casa, depois me leve pra algum lugar. Bem perto. Bem perto, entre mim e você.

As nuvens já se passavam no vasto céu, nada mais ia consigo á não ser sua certa fé que lhe restava. Cactos na estrada. Faltava água. "Oh, meu pai, será que há de demorar muito? Nada tenho em mim há não ser o peso da falta que ele me faz e esta coruja em meus braços. Tirai-me de mim o quê mais além da filha que não vou mais parir?"

O sol escaldante deixava com sua eterna luz a dificuldade de enxergar, mas se via, por alto, subindo os morros, repleto de decisão e mágoa, a veracidade de um homem que dava chicotadas nos cavalos com quem quer se salvar do mundo todo, a pressa em salvar a mesma menina sozinha num dia ensolarado e de pássaros sem canto, diante de todos num parque; isolada num canto, a mesma mulher que traiu o amado marido doente: cego de amor, pronto para salvá-la.

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